A MENSAGEM*
A MENSAGEM
Um dia me dei por conta de que estava completamente sozinho nessa vida mesmo cercado por uma vasta multidão.
O exílio teria ocorrido dado à minha instabilidade de humor, à abulia temporal, às minhas pulsões incontroláveis.
Tornei-me amargurado e sem rumo, culpando terceiros pelos meus infortúnios, projetando nos outros as minhas frustrações. Encontrei-me no desvão da mente, questionando-me o porquê de tal afastamento, pois o motivo era claro e pungente para mim; ainda que buscasse falar alto para o mundo sobre minhas dores e sofrimentos indizíveis, que precocemente me empurravam cada vez mais mar adentro ninguém parecia mais me escutar ou querê-lo. Sequer conseguia já respirar e com a água subindo até o pescoço, me afogando até com meus pensamentos.
Assim, tornei-me um náufrago em mim mesmo, cercado de gente, agora completamente estranha, por todos os lados, outrora tão familiar, mas que sem percebesse, de tão distante que estávamos uns dos outros, já não nos enxergávamos, não nos escutávamos, nem tampouco nos falávamos mais; éramos desconhecidos no mesmo tempo e espaço, tais como cegos e surdos que somente balbuciavam, com um olhar de indiferença ou de soslaio ou frequentemente, vago e perdido. Por isso, achavam que eu já estivesse morto e eu, por outro lado, que fossem eles desumanos. Isso, certamente, foi a causa de nosso distanciamento.
Então, me perguntava: Deus, o que fizemos para merecer tal castigo? Por que não me veem, não me escutam? Pensei: quem sabe não teria sido eu quem os tenha abandonado em primeiro lugar, quando mais precisaram de mim, aumentando o terrível abismo afetivo entre nós… Por fim, imaginei que fosse o fim do mundo, o fim de minha própria existência. Não poderia viver assim.
Assim, minha vida restringiu-se a uma ilha deserta com certo perturbador comodismo. E isolado fiquei, inicialmente, sem me dar conta da seriedade desse isolamento.
Acreditava que pudesse lutar sozinho, pois com minha longa vivência, isso seria possível, todavia com o passar do tempo, essa luta interminável me levou à exaustão. Num puro instinto de sobrevivência, já insano e famigerado, atirei uma garrafa ao mar que continha a seguinte mensagem, com grande esperança de ser lida por alguém:
“Aquele que encontrar essa mensagem vinda de uma ilha distante, carreada por correntes marinhas, agradeço-lhe imensamente por recolher-me e escutar-me. Saibas tu que deposito toda a confiança de ser lido e resgatado por ti; há uma enorme esperança de que uma alma providencial a encontre, pois há muitos anos, estou nos meus últimos estertores de vida, tal é o tempo que estive afastado das pessoas que amo, mas te confesso humildemente, eu não as soube amar! Já não suporto mais essa solidão. Gostaria que tu fosses o mensageiro dessas linhas para que eu possa dizer-lhes que abusei absurdamente de seu tempo e boa vontade.”
“Fui um juiz implacável das pequenas causas, mas pusilânime nas grandes questões. Verdadeiramente, um homem de moral dúbia.”
“Que me perdoem todos aqueles que eu magoei e feri mortalmente. Que saibam todos que estou profundamente arrependido. É difícil de acreditar, mas não foi minha intenção”.
“Agora, depois de muito sofrimento, percebi que esse longo período de dor, isso me foi útil; foi o tempo necessário para minha expiação”.
“Não espero que tenham mudado nem lhes impondo nenhuma condição para que me aceitem, pois faz um longo tempo que não participo de suas vidas, mas conheço bem seus defeitos e reconheço suas belas qualidades, as cruzes que carregam e lamento pelas suas conquistas e vitórias, quando não estive aos seus lados para celebrarmos juntos. Espero que me perdoem. Mas, acredito que ainda tenha algum crédito, pois um dia construímos uma história de vida e tivemos belos momentos juntos”.
“Dito isso, se os encontrar um dia e assim, rogo a DEUS que me conceda SUA graça, diga-lhes que não mais lhes farei nenhum mal nem cobranças nem exigências, nem tutelarei suas vidas, não os julgarei nem os sentenciarei a nada. Não os tolherei de sua liberdade de escolhas e expressão. Serão seres verdadeiramente livres do julgo de alguém. Terão meu apoio!”.
“Por fim, sinto-me em paz que eu tenha sido encontrado através dessa mensagem e, sobretudo a leias para que todos saibam que diante de tanto sofrimento pessoal eu sou outro homem agora, creia-me”.
PAULO REBELO, o médico poeta-2018