A CAVALGADA*
A CAVALGADA
Um dia nos reunimos todos ao acaso e em comitiva saímos pelo mundo a fora. Cruzamos rios, campos, florestas e montanhas. A princípio éramos muitos e como cada um tinha uma vontade própria, cada um seguia no seu passo.
Ora no calor inclemente dos trópicos e o frio dos polos, depois de décadas de lutas vitoriosas, o cansaço tomou conta de nós. As aventuras foram desaparecendo e alguns de nós fomos ficando para trás ou simplesmente se deixando ficar pelo caminho.
Entreolhávamos se perguntando: “é assim mesmo, um dia tudo se vai?” O silêncio era revelador e passamos a ser um pequeno e solitário grupo se apoiando um no outro. Continuamos a cavalgar com dignidade, mas sem a euforia de outrora.
Um dia acordei na madrugada fria. A fogueira ainda ardia. No acampamento, os poucos que restaram enfastiados, disseram “chega!” Tive a impressão que eu era quem ficara pra trás.
É que num trevo, tomei o meu próprio rumo. Nem deu tempo de nos despedirmos uns dos outros.
Assim, olhei para todos os lados, lá eu estava sozinho na grande vereda, cavalgando o meu velho corcel que alimentava a minha vontade de continuar, ainda que eu já conhecesse muito do mundo. Todavia, não havia mais o mesmo viço de outrora.
Houve um tempo então, que mais acampava do que cavalgava e quando o meu alazão morreu, a minha dor foi grande, pois com ele conheci o mundo e amores reais e perguntar para onde ou quando vou ou ainda como vou não fazia mais nenhum sentido para mim. Pensei que houvera chegado ao fim de minha jornada.
Atordoado, sentei nas margens de um rio e de minha surrada mochila, saudoso, retirei o meu álbum de fotos antigas tiradas ao longo de minha epopeia e pude reviver com alegria, minha jornada ao lado de pessoas agora distantes, mas guardadas na memória afetiva.
Aquilo era tão vívido, tão real que passei a conversar com elas. Redescobri que tinha muitas pendências como promessas que lhes fiz não cumpridas. Depois de muito rirmos e chorarmos juntos, do fundo de meu coração, eu pedimo-nos perdão do fundo de nossas almas.
A longa noite veio. Vieram juntos a escuridão e o frio.
Aqueci-me no saco de dormir.
Eu podia ouvir atrás do imenso silêncio da madrugada o canto dos grilos e de corujas, a crepitação e o estalido dos gravetos ardendo na fogueira e sentir o humo queimando, produzindo o doce calor e inebriante odor da mata.
Adormeci sorrindo e em paz nos meus últimos sonhos, cavalgando num cavalo alado ao lado dos que amava.
Paulo Rebelo, o escrevente do tempo.