O MENINO DO CORAÇÃO GRANDE*

O MENINO DO CORAÇÃO GRANDE

CRÔNICA de Paulo Rebelo

Eu tinha uma gripe “mal curada, diziam. Só tinha um pouco de tosse seca e cansaço. O médico, segurando aquela minha radiografia do peito, falou seriamente para minha mãe: “o seu filho tem um coração grande e pode morrer se não repousar”.

Vi o pânico estampado no rosto dela. Eu escutava calmo e com atenção aquilo tudo e não entendia o porquê não poderia mais jogar bola, catar mangas, andar de bicicleta, correr atrás de pipas nem nadar com meus amiguinhos nos canais de águas pluviais de Belém, especialmente, na temporada de chuvas torrenciais de inverno na Amazônia.

O que eu sentia não era absolutamente nada e só por causa daquela maldita chapa do peito eu fui “desenganado”.

A partir daquele momento minha mãe me proibiu de fazer tudo que um menino de oito anos gostava de fazer. E, quanto mais eu dizia que faria, mais ela me prendia em casa.

Da janela do meu quarto, via a garotada jogando bola e brincando de pira e lá estava eu triste e dizia: “ô mãe, eu não estou doente!”

Então, preso em casa, indo somente para escola durante dois longos anos e sem fazer exercícios físicos, talvez, por isso tenha sido um menino “entanguido” e se há uma coisa boa nesse cárcere privado é que desenvolvi um enorme gosto pela leitura, pois além de ler toda coleção “CONHECER”, li “Vinte mil léguas submarinas”, “Viagem ao centro da terra”, “Volta ao mundo em 180 dias” de Júlio Verne e “O gênio do crime” de João Carlos Marinho, um verdadeiro thriller da garotada, que colecionava e disputava no tapa as figurinhas mais difíceis de se achar de jogadores futebol famosos daquele tempo.

Um dia, porém, aflita e cansada de me ver sofrer, economizando o dinheiro para uma consulta particular, minha mãe me levou para um famoso cardiologista recém-chegado dos EUA, o médico paraense Haroldo Pinheiro. Depois da anamnese e me examinar detalhadamente, fez o meu eletrocardiograma no único aparelho da cidade na época.

Sentamo-nos à sua frente. Ele olhou e olhou o eletro e mais uma vez o raio-X. Eu estava mais interessado em bisbilhotar o seu consultório e imitar sua bela caligrafia, rabiscando num papel qualquer, mas escutei muito bem quando ele disse para minha mãe: “minha senhora, que estória é essa? Esse garoto não tem problema nenhum no coração! Ele é normal e pode brincar de tudo”. E olhando para mim, perguntou sorrindo: “tá bom assim, menino?”

Minha mãe, aliviada, ficou com os olhos rasos d’água de alegria e eu com um pouco de raiva dela. Despedimo-nos do médico, dizendo-lhe: “muito obrigado doutor!”

“Menino, por que tu estás com essa carinha amuada?”, ela me perguntou.

“Agora a senhora vai me pagar tudo o que eu quiser! A senhora me deixou de castigo. Não fiz nada!” Ela aceitou.

Fomos à Casa Palmeira próximo dali, um estabelecimento português onde eram servidos os melhores doces finos e salgados da cidade e com a promessa que outro dia iríamos até a CAIRÚ tomar sorvete de chocolate. Tomei um refrigerante GRAPETTE bem gelado e comi pastéis de nata à vontade e mais do que podia! Sinto até hoje o gosto daquelas delícias na boca.

Eu não me lembro muito bem, mas acho que, de fato, nunca fiquei chateado com minha mãe, portanto não havia o que perdoar. Afinal, ela sempre quis o meu bem! Eu só quis fazer uma chantagenzinha.

A caminho de casa, passamos na antiga “Lojas Brasileiras” e ela, sem mais nem menos, acredite, comprou-me a melhor bola de futebol. Disse-me: “só não vai sair da loja chutando essa bola por aí, menino”.

Acho que ela estava com dor na consciência. Agarrei-me no seu quadril e feliz, dei-lhe muitos, mas muitos beijos de agradecimento.

A primeira coisa que fiz quando chegamos em casa foi mostrar a nova bola ao meu irmão Ricardo e sairmos para jogar uma pelada com nossos amiguinhos.

Paulo Rebelo, o médico poeta.

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