A MEDICINA REVISITADA*

A MEDICINA REVISITADA

(a cura do corpo e da alma)

Ainda sou de uma época em que as doenças pareciam ter um rítmo diferente.
Pareciam evoluir nos pacientes quase que parando no tempo.

Era num período de escassos exames quando o diagnóstico de um ataque cardíaco e pedra na vesícula era um grande exercício de observações e sofrimento, estando o médico aparentemente passivo ao sabor da evolução da doenças.

É quase inimaginável pensar que não existisse a ultrassonografia, exame de imagem fundamental para o diagnóstico de várias doenças.

As doencas aproximavam os seres humanos que pareciam ser mais humanos. Era um misto de ignorância pura e inocência, tisnada de misticismo e religiosidade, porém com muita compaixão, solidariedade e senso de pertencimento de um ao outro. O enfermo sentia -se cuidado e amado. As visitas eram frequentes e longas. Preparava-se um chá caseiro, recitava-se uma oração de cura, colocava-se uma medalinha ou uma imagem santa para ficar na cômoda ou na cabeceira da cama do enfermo, uma unguento refrescante, a cura através da imposição das mãos sobre o corpo… Tudo isso era algo muito especial.

Curiosas, as pessoas se impressionavam com as doenças e importavam-se genuinamente com o sofrimento alheio.

As visitas dos amigos e entes queridos eram reais e não virtuais.

As naturais dificuldades de diagnóstico e tratamento faziam com que médicos e pacientes e seus familiares fossem muitos mais próximos.

O médico era visto como um semideus, porém acima de tudo o doutor, o verdadeiro conselheiro, o amigo, o médico da familia.

A inexorável dinâmica da vida alterou tudo isso. As visitas foram substituídas mensagens de textos, emoticons e transmissão ao vivo. Os enfermos não são mais pacientes, são “clientes”. Parecem mais querer “comprar a saúde”. A saúde não é mais um bem; é uma mercadoria.

O exames STATE-OF-ARTS como Tomografia Computadorizada, Ressonância Nuclear Magnética, Cintilografia e PETSCAN trouxeram praticidade, velocidade diagnósticas e avanços fantásticos para tratamento de quase tudo; examinam tudo, menos a alma humana. Esse é o trabalho do médico de corpo e alma. Todavia, os exames de imagem tornaram-no quase um autômata, um robô, abolindo a coversa afável, conferindo-lhe frieza, diminuindo a nobreza da medicina humanizada.

Assim, o grande paradoxo da moderna medicina: verdadeiramente, ela acabou ou diminuiu em muito o sofrimento imposto ao corpo, abreviando o tempo para a cura. Mas, a verdade nua e perversa é que acabou, também, com a capacidade pedagógica da doença em fazer com que o homem refletisse mais sobre a seriedade de sua condição não somente clínica, mas humana, que transcende meramente à dor física; a convalescença tornou-se tão abrevida que, entre outras tantas necessidades cotidianas, não lhe sobra tempo para pensar, senão em voltar o mais rapido possível àquela vida que tanto inconscientemente lhe prejudicou; o homem perdeu a capacidade de sofrer, de refletir sobre si mesmo. Não sabe ou deseja assimilar o poder transformador das doenças. Assim, não havendo conscientização plena sobre o que lhe ocorre, as chances de reincidência são enormes.

Pois, naqueles tempos, as doenças e internações eram de semanas ou meses. E nesse longo período, o paciente tinha tempo o suficiente para pensar sobre seus “pecados venais e capitais, portanto a oportunidade de arrependimentos; a verdadeira cura da alma e não só do corpo.

A modernidade até tenta humanizar a relação médico-paciente e familiares com o homecare, cuidados paliativos, saúde da família, porque isso são coisas louváveis, mas resta saudosa no coração e mentes de ambos a verdadeira visita médica quando a sua palavra era um bálsamo.

Ainda sou de tempo em que isso era um “acontecimento”. O médico era a visita mais importante é aguardada para o enfermo. Preparava-se a casa para recebê -lo. A TV era desligada, o telefone fixo era tirado fora do gancho, as crianças eram proibidas de ficar na sala. Chá ou café fresquinho e quente, biscoitos finos eram ofertados ao médico. Sobre a mesa, toalha de renda.

Não era apenas a visita de um conhecido médico; era a visita do médico amigo.

Paulo Rebelo, o médico.

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