CORPO FECHADO*
CORPO FECHADO
Eu tive inúmeros pacientes que me marcaram quer seja pela bela personalidade quer seja pela sua difícil condição médica. Tive alguns pelas duas coisas e quando isso acontece, é algo engrandecedor próximo da magia.
Um deles, sempre alegre e piadista, num exame rotineiro acabou caminhando para o do cateterismo cardíaco que denunciava que o seu caso clínico era grave; ele tinha que ser submetido à cirurgia de ponte de safena o mais breve possível. Mas, inicialmente surpreso e depois confiante, ele não quis nem pensar nisso, dizendo que sua fé iria curá-lo.
Resolveu levar a sério os seus problemas e passou se cuidar mais da hipertensão e do diabetes controlando o peso, de fato, tendo visível melhora do ponto de vista de exames laboratoriais, dando-lhe a falsa impressão que estava curado.
O tempo passava e a ausência de sintomas me intrigava; como esse homem está vivo? Eu suava frio cada vez que vinha ao consultório. Mas, ao mesmo tempo agradecia a DEUS dele não estar sofrendo.
E eu lhe dizia brincando: “meu amigo, esses teus santos são fortes; o teu corpo tá fechado! Mas, tu és um atacante perigosíssimo… Para fazer gol contra.”
Alguém havia me dito que ele era Pai-de Santo.
“Doutor, ele está fumando e muito”, disse a filha!
Arregalou os olhos: “Mentira, eu não, as entidades que eu incorporo!”. Risada geral.
Anos depois volta ao consultório pálido, taquicárdico e hipotenso. Estava tendo um infarto desde o dia anterior. Seu rosto mudou; estava preocupado e entristecido. Falava pouco
A sua internação foi rápida. Providenciado um novo cateterismo.
Disseram os familiares que ele estava muito bem com a medicação prescrita; ele comeu, conversou, ele fez novos planos e juras que iria mudar e depois de algum tempo, cansado de tanto falar, pediu licença à esposa e filhos, agradeceu a Deus por tudo, deitou de lado, suspirou profundamente e como um velho passarinho morreu.
Paulo Rebelo, o médico poeta.