FILHO DA MÃE NATUREZA*
Filho da Mãe Natureza
Texto de Paulo Rebelo
Meu amigo,
Folgo em saber que estejas bem de saúde, feliz e que no frescor de tua adulta jovialidade, teus desejos ainda vão ardorosamente ao encontro da mulher que escolheste tua com absoluta exclusividade e que assim seja até o final de vossos fecundos dias, pois lembro bem de tuas andanças em busca de um amor verdadeiro.
Em atenção a tua carta, tenho o seguinte para te dizer:
Aqui nessas terras tucujús onde gostaria de ter nascido, sou verdadeiramente feliz, respeitado e amado por todos. Por obra do destino, todavia aqui fui semeado e germinei como semente debaixo de intensas chuvas invernais e sois tropicais do meio do mundo, cujo agricultor, creia-me, não poderia ter melhor sorte, foi o bom povo caboclo dessa terra que agora considero meu irmão.
Então, ínclito amigo, responda-me: como poderia eu não ser feliz aqui? Como não me apaixonar por essa terra? O que poderia dar errado, pois tenho a mulher e filhos que amo e os amigos que mais estimo? Sim, talvez, hão de dizer que essa terra é cheia de defeitos e injustiças, mas são os exageros, nada que não possamos compreender e buscar corrigir. Ademais, no caminho há sempre as armadilhas e percalços e numa imensa família, haverá sempre as ovelhas negras…
É certo que com o passar dos anos, a volúpia de minha outrora juventude amainou, mas tão importante quanto a libido, o sonho não acabou!
De nosso último encontro, de lá para cá pouco mudou, senão cresceu minha vontade de viver, pois se minhas posses físicas são parcas e resumem-se ao castelo que chamo de lar, onde lá me sinto verdadeiramente um rei de um horizonte a perder de vista, meus vizinhos, meus amigos são minha propriedade natural. Trabalho no que gosto, por seguinte, eu tenho todas as riquezas imateriais do mundo e ao ir-me dessa bela vida para o outro plano, eis o que na memória levarei feliz comigo e com ela continuarei vivendo noutro vida, se existir. Então, quero estar preparado.
Aqui acolá, sei com tristeza de amigos que já partiram, mas logo a dor é substituída pela saudade e nostalgia da alegria contida, pois éramos um grupo de amigos inseparáveis no futebol e no banho nos rios, lagos e igarapés, embalado ao som de nossa música local.
E quando quero vê-los, fecho os meus olhos e quando desejo conversar como eles olhos no olhos, eu olho em direção dos rios e das matas, pois é lá donde vem o cochicho dos ventos e de pássaros. A gente, desse jeito se entende.
Portanto, como sentes em minhas breves palavras, transmita aos nossos amigos que estou bem e saudoso de todos.
Até breve.
Teu irmão amapaense de coração,
Paulo Rebelo, o médico poeta.