SUFOCAÇÃO*
“Um dia acordei e disse: preciso escrever, senão morrerei sufocado pelas minhas próprias memórias”.
Paulo Rebelo
A GOTA D´ÁGUA
(AS MINHAS RAZÕES PARA ESCREVER)
Um dia resolvi deixar registrado os acontecimentos ao redor de minha vida ocorridos ao longo de várias décadas, a maioria das coisas que são comuns a todos os seres humanos, mas que tomaram um grande significado e relevância no momento em que pouco a pouco foram abrindo caminho para o curso de minha própria vida. O livro A GALOPE (em busca da razão) é a história do que vivi.
Em verdade há muitos anos, eu já escrevia, mas eram pequenas anotações de frases ou textos, aparentemente sem nexo, que estavam guardados nas gavetas ou em livros. Alguns escritos eram simplesmente ideias fragmentadas na minha cabeça.
Após criar uma linha coerente de pensamento que traduzisse meus traços pessoais, decidi que precisava expor minhas experiências de vida e sobretudo, meus sentimentos, revisando-os e os passar a limpo, enquanto escrevia, pois especialmente, na prática médica, atendendo tanta gente e experimentando de perto tanto sofrimento humano e confrontar com a minha própria vida, é impossível não desenvolver empatia pelo outro.
“Assistindo à tanta dor no mundo, tornei-me a própria do dor”
Ao iniciar me vida profissional, diante da morte inexorável ou da invalidez permanente, jovem, eu tinha certa dificuldade em abordar o assunto com o enfermo e seus familiares. Por exemplo: como dizer para ele que a sua morte não podia ser evitada? Como dizer a essa pessoa que a sua doença não tinha mais cura, chamada “fora de possibilidade terapêutica”? O que lhe dizer diante da invalidez permanente com séria limitação para a sua vida plena? E quanto à terminalidade? Enfim, como eu gostaria de receber tais notícias? E, será que gostaria de recebê-las? Como eu reagiria?
O meu próprio de MEDO passou a ser razão para escrever.
Assim, o aparecimento de vários casos clínicos difíceis foram moldando o meu discurso médico que foi evoluindo diante da complexidade das questões da vida e morte. Acima de tudo me ensinaram a ter humildade e equilíbrio diante da fatalidade e desenvolver empatia por aquele que sofre, pois muitas vezes me senti completamente impotente e a medicina não pôde me responder sobre as aflições de minha alma. Dessa forma, nos meus textos foi inevitável falar de existencialismo à altura de meus sessenta anos.
De um modo geral, alguns textos são profundamente reflexivos e existencialistas. São ricos em uma narrativa surreal, vocabulário, metáforas e figuras de linguagem, traduzindo a riqueza da vida e minha dificuldade em explicá-las, senão a através da leveza da poesia e poemas, aliviando o peso que exerce sobre mim.
Curiosamente, a minha angústia é comum a maioria dos seres humanos e meus textos conseguem traduzir o que sentem.
Então, acabei por distribuir os assuntos de meus textos para as categorias a seguir:
AS DORES DA ALMA
AS DORES DO CORPO
AS DORES DO MUNDO
AS DORES DA ALMA são as dores do próprio autor. Traduzem a inquietude da minha alma. Essa foi a primeira e maior razão para escrever. É a maneira como eu vejo, sinto o mundo ao meu redor e reajo. É um momento de profunda reflexão quando ao passar por um instante de sofrimento pessoal, da dor eu liberto, por fim.
AS DORES DO CORPO revelam como o autor lida com os fenômenos da morte e invalidez e encara a relação médico-paciente, que deve ser buscada e fortalecida para que haja sucesso terapêutico e sobretudo, a partir da compreensão disso, seu próprio crescimento como ser humano.
AS DORES DO MUNDO são as dores mais distantes, porém presentes no cotidiano, vivenciadas por mim nos âmbitos local, regional e mundial, como as constantes mudanças de comportamento da sociedade, tendências, as doenças, desigualdades e injustiças sociais.
A segunda razão foi permitir com que meus pacientes passassem a conhecer o homem Paulo Rebelo, muito além da figura do médico. Gostaria que conhecessem o ser humano Paulo Rebelo. Creio que o objetivo terá sido cumprido quando passarmos a conversar assuntos mais aprazíveis, além de doenças, algo pesado para médicos e pacientes.
A terceira razão acabou sendo um desdobramento natural das primeiras; a necessidade deixar um valioso registro pessoal do homem e médico Paulo Rebelo na forma de legado para as pessoas que amo.
Acredito que saberás apreciá-lo.
Um abraço fraterno,
Paulo Rebelo
P.S. Todas as imagens que ilustram o SITE amapaulo.com.br são de minha autoria.