UM BRASIL QUE DESAPARECEU*
AMANHECI saudosista de um Brasil, que parece estar desaparecendo.
Por Paulo Rebelo
O BRASIL é um país que, às vezes, parece imaginário, concebido a partir da ambição de aventureiros, fugitivos, exilados, peregrinos e sonhadores, em busca de um paraíso na terra, riqueza ou apenas um lugar para viver e morrer em paz. Havia uma costa imensa de praias a perder de vista, ora mares bravios ora enseadas, repletas de aguás plácidas e cálidas e cristalinas. Havia rios caudalosos, riachos, corredeiras, campos a desaparecer no horizonte, florestas exuberantes, viçosas e verdejantes, imensas e densas, exalando cheiros inebriantes depois das chuvas tropicais. Havia animais silvestres com sons exóticos e selvagens, que amedontracam e hipnotizavam o invasor. Vieram os brancos europeus e depois em sucessivas levas outros povos. Aqui encontraram os indígenas, ouro, prata e pedras preciosas. Brigaram, guerrearam entre si e se mataram, e não tendo para mais onde ir, sem saída, ao longo do tempo se amaram e se misturaram. Eram os Tupis, Tupinambás, os Guaranis Tikunas, Guaranis, Kaiowás, Makuxis e Terenas. A eles se somaram os negros africanos escravizados. Foram os Iorubás (nagôs), Bantus, Mandingas, Hauçás, Zulus, Masais e muitos outros. Com eles vieram seus deuses, suas cores, seus doces, suas danças, músicas e sabores. Dançamos entoando cantos para Oxum, Oxossi, Xangô e Exú e Imanjá. Com seus prantos e lamentos, sobrevivemos. Ah, belas negras calipígeas e férteis, que em seus ventres decantaram e purificaram o Brasil com suas criaturas divinas para sempre! Dessa louca mistura, todos seduzidos, nasceu um povo miscigenado e único, admirado por ser acolhedor, excêntrico, que poderia servir de modelo para o universo, onde brancos, negros, amarelos e vermelhos convivem em relativa paz a continuar encantando brasileiros e estrangeiros ao som do agogô, atabaque e reco-reco.
Paulo Rebelo, médico, escritor e poeta.