REFLEXÕES DE UM INFARTADO*

O DESPERTAR(Reflexões de um infartado)Por Paulo Rebelo Acordei e enfim,Despertei-me De um pesadelo, Que pareceu-me anos(Estava confuso, provocado pela desgastante enfermidade),Mas foram apenas horas,Minutos, segundos, talvez,Meses, infinitamente, Não sei muito bem,Que teimavam não passar,Posto que estavam emperrados,Travados em alguma instância De minha consciência,Completamente,Impregnada minha alma,Que recendia o odor de cinzas.Quando eram minhas Próprias exéquias futuras.Ufa, contudo, terminou! Nem acreditei.Quando o tempo parecia estar Lento ou estagnado, O sofrimento era multiplicadoPor quase mil;Tudo era vago e impreciso,Cores de um lusco-fusco;Lá estava eu na platéia,Assistindo meu próprio filme,Forçado a rever E reviver minhas dores E temores,Todavia como se tivesse sidoMe dado mais uma oportunidade De renascer, e que pudesse consertarUm defeito, remendar o rasgão,Desfazer o problema,Que eu mesmo criei Ou teria agravado, Afeito ao atavismo,Talvez, até em vidas passadasOu apagá-lo de vez,Como se nunca tivesse vividoNa face da terra, E assim pudesse eu recomeçar Minha vida do zero, Como quem nasce do sol do amanhecer,No frescor do crepúsculo.Ah, mas, finalmente, Algo de bom me ocorreu;Voltei à velha insônia profícua,Minha fiel companheira!Livre do zolpidem,Que tornara minha vida ainda mais miserável,Quando que para permanecer vivo,Ainda que me afogandoNos meus pensamentos,Esperando a tempestade passar,Imagine,Era preciso estar protegido de minha consciência, Escondido num profundo sono artificial E sem sonhos,Eis que parecia que vegetavaNão tendo pregado os olhos por séculos,Eu, algoz e caçador de mim,Em busca de perdão,Expiando meus pecadosNa doença,Que parecia não ter fim,Visto que não mais lutava;Apenas dormia para não ver nada,Sentindo tudo ao meu redor.O melhor de tudo, Porém é que agora tudo isso acabou!Paulo Rebelo, médico-poeta.P.S. Os meus amigos, colegas e clientela sabem que tive um sério problema cardíaco, felizmente, superado.

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