UM TEMPO INESQUECÍVEL: quando o médico era o próprio remédio.
UM TEMPO INESQUECÍVEL: quando o médico era o próprio remédio.CRÔNICAPor Paulo Rebelo Ansiosamente aguardado por todos, o Dr. Bernardo Santos, pediatra, chegava quase sempre atrasado. Era compreensível. Todos ali sabiam que ele era um homem muito ocupado. Vinha de outro hospital. De um modo geral, não havia queixas maiores; no máximo um comentário aqui e acolá que o médico estava demorando. Curiosamente, lá parecia ser, também, um ponto de encontro de pais, velhos conhecidos. Aproveitava-se aquele raro momento para conversas que pareciam intermináveis, às vezes, alarmistas sobre alguma doença “misteriosa”. Fazia-se comentários sobre as manchetes de jornais locais e notícias do rádio ou ainda sobre das vivências e experiências pessoais e familiares cotidianas, mas sobretudo sobre o quanto aquele médico era atencioso e dedicado à sua profissão.Trajado em linho branco, ao passar sorrindo pela sala de espera rumo ao seu consultório, dava a impressão que conhecia todos ali presentes, cumprimentando-os com um efusivo “bom dia!”, claramente, reconhecendo uma ou outra criança, chamando-a pelo nome.Eu apreciava muito de toda aquela atmosfera, ainda que, às vezes, uma ou outra mãe dissesse sussurrando: “te aquieta menino, senão o doutor vai te dar uma injeção!” (pensava mesmo eu que fosse comigo), algo que ele mesmo nunca o fez. O choro que se ouvia era daquelas crianças incomodadas pela própria doença. Muito são reminiscências. Guardo, entretanto vivo na memória, aquele ar de hospital, e enquanto ele prescrevia a receita com sua clássica e quase indecifrável caligrafia, ano após ano, quase sempre ele perguntava-me o que eu queria ser quando crescesse (creio que, no íntimo, eu já tivesse uma pálida ideia). Dizia: “Menino, abra a boca”…”Assim… AAH… Muito bem!”… “Respire fundo… De novo… Huum” …” Diga trinta e três” …” Bom, agora, tussa!”. Nossa, como aquilo tudo era diferente!Terminado o exame, passando a mão na minha cabeça, ao dizer para minha mãe com firme convicção “ele vai ficar bom!”, é estranho, mas sinto como se fosse ainda hoje, que ao sairmos de seu consultório, eu já estava com uma forte e reconfortante sensação de estar curado ou com os meus sintomas completamente aliviados sem sequer ter tomado um único medicamento seu!A resposta para a pergunta “o que esse menino vai ser quando crescer?”, ser médico pode ter ficado no meu ID (inconsciente), pois quando meu pai teve um infarto do miocárdio na década de 70, despertou minha atenção a maneira atenciosa, carinhosa e prestativa, que todos o tratavam, desde a esquipe médica, enfermagem, nutricionistas, copeiras e até o motorista da ambulância.A partir daí, ainda aos 12 anos, comecei a pensar longe nessa possibilidade, mas logo desistíamos: éramos pobres. A vida nos reserva grandes surpresas, todavia; não me perguntes como nem o porquê, pois é uma outra longa história. Aos 16 anos obtive uma bolsa de estudos integral e fui estudar o ensino médio nos EUA, e lá tendo sido muito feliz em tudo (apesar da cor e “latino”, nunca sofri discriminação), numa tarde de verão sentado na varanda da casa da família americana (The Mastenbrooks), que me abraçou como se fora um filho, foi quando decidi que seria médico. Pensei: “se cheguei até aqui muito mais longe eu irei”. Nesse dia bati o martelo; “Serei médico”!A minha solitária decisão foi um importante ponto de inflexão em minha vida, mudando completamente o meu destino e a vida para melhor e por conseguinte, de minha própria família, familiares e das pessoas ao meu redor.De lá p cá são 60 anos de historia.Atualmente, além de minha esposa, todos os cinco filhos são da área médica. A semente deu frutos.Paulo Rebelo, médico.