O IMIGRANTE*

O IMIGRANTE
Crônica por Paulo Rebelo

A história a seguir ocorreu comigo há 30 anos aproximadamente.

Bernadete, eu e minha mãe embarcamos numa prazeiroza viagem de turismo no Canadá costa à costa, que foi impecável, cujo o auge era um cruzeiro para o Alasca, apartir de Vancouver. Destaco que fomos através de uma operadora inglesa, escolhida a dedo e que me agradou bastante desde o início pela programação e itinerário. Nada excepcional, exceto a organização, disciplina, rigor no horário, bom gosto e serviço de qualidade superior, algo incomum para o brasileiro excursionista. Seu público era exigente. Era voltada para seniors (terceira idade). O grupo era composto de casais de cabelos já brancos, viúvos-as em subgrupos. Eram turistas europeus (ingleses, alemães e alguns poucos americanos). A viagem era “lenta” e com cuidados redobrados, ajustada às necessidades e comodidades dos idosos, de modo geral, aparentemente, todos hígidos. Eram calmos, serenos e sobretudo, animados. Adorava conversar com eles, sempre surpresos e curiosos de haver um casal bem mais jovem (37 a), ainda mais de brasileiros numa excursão só para idosos estrangeiros. Bernadete, todos a conhecem, é aquela pessoa agradável, falante, sorridente, leve e logo caímos na simpatia daquelas pessoas. Ela mesmo não falando o ingles fluentemente, se comunicava através de sua aconchegante e luminosa presença. Fomos tornados quase como seus filhos, pois o relacionamento respeitoso, mas carinhoso entre nós estava longe do formal; era como se nos conhecêssemos há muito tempo. Surpreenderam-nos os ingleses. Imaginava-os formais e sisudos, mas o contrário; eram muito espirituosos e gozadores uns com os outros. Alguém havia visto pela TV o grupo musical É O TCHAN e brincalhão, me perguntou se eu sabia cantar “na boquinha da garrafa” em inglês! 😂

Talvez, isso explique o porquê gostem tanto de fofocas e escandalos, estampados no tabloide ingles THE SUN, voltado para celebridades, showbiz, “lifestyle” e politica.

Além de belos hotéis 5* às margens de lagos, emoldurados por montanhas e geleiras ao longe, a viagem de trem, rasgando as florestais Montanhas Rochosas cobertas de neves eternas, foi inesquecível. Num dos vagões com deck superior havia uma claraboia em cúpula de ponta à ponte, de onde viamos a natureza em estado bruto. Pernoitamos no trem e jantamos deliciosos pratos num menú, elaborado por uma chefe de cozinha bastante solicita, que visitou mesa por mesa perguntando: “como estão os pratos? Estão do vosso agrado”.

O pior estava por vir. Vou tentar descrever com brevidade possível. No dia do embarque no cruzeiro da PRINCESS CRUISE havia algo em torno de 4 mil passageiros no porto. Fazia uns 10° C. Chamou-me atenção três longas filas; uma para americanos e europeus, a maioria caucasiana, outra p asiáticos e ainda outra para “latinos”, a nossa. Era visível o tratamento diferenciado e cortês para as duas primeiras. Pensei: “isso é ridículo e ultrajante”. Pela primeira vez na vida senti o que seria algo próximo de discriminação e racismo. Não me incomodei diretamente. Estávamos num rítmo de férias e procurei me acalmar. Levava minha mãe, que não suportava ficar em pé durante muito tempo. Em geral, a rigor, não havia prioridades, pois todos eram idosos ou quase. Deixei para embarcar no final. Para minha surpresa, foi quando eu percebi que as filas eram num posto de imigração americana dentro do Canadá. Fomos desavisados. “Passaports, please”, solicitou-me a oficial da imigração. Era uma negra americana atarrancada e sisuda, soube eu mais tarde, de origem cubana. Nossos vistos, de Bernadete e eu estavam OK, mas o de minha mãe, o visto estava num passaporte vencido durante a viagem (ela tinha outro novo sem o visto), algo que teria sido um malentendido da agencia no Brasil e que contribuiu para o impasse! “NO VISA” (sem validade), disse ela rispidamente, enquanto carimbava isso com força e raiva no pasaporte. Pronto! Tentei argumentar, mas irritada, ela só dizia alto: “don’t talk to me!” não fale comigo), virando as coisas. Disse isso umas três vezes até chamar atenção de curiosos e de outros três oficiais, que pareciam ser mais comprensíves, mas não se envolviam. À certa altura, mais irritada ainda, aludiu ela que minha mãe poderia ser uma “imigrante ilegal”. Aí ela me tirou do sério. A despeito de eu dizer que o cruzeiro era um presente para minha mãe, que logo faria aniversário, que acabávamos de visitar o Canadá, irredutivel, de novo disse: “não se dirija a mim! Gritou: “IT’S OVER!” (Chega!). Gelei e já tenso, mas não perdi a compostura. Ela pôde escutar ainda, que éramos TURISTAS, falei alto e bom som. Se isso ajudasse, que éramos um casal de médicos, trazendo uma senhora idosa (que assistindo tudo perto dali estava aflita com aquele imbroglio). Piorou! Imaginou que eu estivesse dando “carteirada” do tipo “sabe com quem está falando?” Nada disso, já era puro desespero só que contido. Foi quando firme, disse-lhe: “a minha mãe tem um outro passaporte novo, tome; desconheço o porquê o visto não foi aplicado neste. Seja sensível com a nossa situação, por favor. De novo, disse para eu não me dirigir mais à ela. Aí aborrecido, beirando desdem e zombaria, disse-lhe alto: “eu conheço muito bem o teu país (durante 6 meses havia sido estudante de intercambio no EUA através de uma bolsa de estudo integral) e escute bem aqui: os EUA são o último lugar do mundo para o qual eu emigraria!”. Ela arregalou os olhos surpresa. E olhe, quem não quer falar mais com a senhora sou eu! Call me your superior officer! (Chame o seu superior) POOOM, POOM anunciava a partida próxima do navio. A urgência para se resolver isso: as nossas bagagens já estavam nos camarotes! Se o navio partisse, iriamos ficar no Canadá e sem reserva de hotel, com a roupa do corpo.

Através do radio, o oficial superior bigodudo e barrigudo tipo Sgto Garcia já estava sabendo de tudo; veio com moral para cima de mim. Antes de nos liberar depois de breves 15 minutos (pagamos uma taxa ou multa de 100 USD – o comandante dera um terceiro POOOM na chaminé do navio), ele fez uma pequena preleção ufanista, louvando os EUA, dizendo: “aqui tem ordem! Senhor, vê aquela bandeira americana no mastro? Aqui nem o presidente dos EUA tem mais autoridade do que eu. Eu a honro!” (fez continencia em sua direção); não é como no seu país!

Engoli seco. Pensei: “que nacionalista arrogante!” Mas, depois refleti; lamentavelmente, de certa forma, ele tem toda razão, pois o povo brasileiro é risívelmente ufanista; nas passeatas e protestos, esse mesmo povo de esquerda, vergonhosamente, brandi bandeiras vermelhas do PT, MST e PC, no lugar da bandeira nacional verde amarela, sobre a qual pisoteiam, urinam e defecam, enquanto cantam o hino da Internacional Comunista! Por outro lado, quando o hino nacional é muito mal cantado por artista endeusada, resgatada de favela, onde o ESTADO é ausente, patrocinada pelo “governo do povo”, seu desempenho é desapontador tal a falta de seriedade e amor à pátria.

O oficial percebeu o mal que nos causaria, por nos impedir de subir no navio. De lá desceu um tripulante graduado para averiguar o que ocorria. Acredite: no apagar das luzes, fomos os últimos a embarcar.

Ao entrar no navio naquela fria e nublada tarde escura, estava aliviado, porém exausto, entristecido e estranhamente envergonhado. “O que eu fiz de mal?”. Até então, estava tudo perfeito.

À distância, alguns de nossos amigos do grupo de turismo assistiam aflitos o nosso drama. Durante três dias num cruzeiro de 7 noites, estive “traumatizado”. “Perdi o rebolado”. A bordo, tratamento de Primeiro Mundo: lagostas, rãs, escargots e caviar (Quanta diferença para os cruzeiros marítimos abaixo da linha do equador). Foi quando me dei conta que imaginam que os latinos não exigentes, portanto não necessitam de coisa melhor.

Perguntaram-me: “Paulo, what happened? (o que aconteceu?)
Contei-lhes superficialmente o que havia ocorrido.

A caminho do Alasca paisagens espectaculares de tirar o folego, vendo golfinhos, focas, águias a perder de vista. Fui me recuperando aos poucos.

Ao assistir majestosas baleias saltando, logo me alegrei, lembrando-me do maravilhoso tour que fazíamos, enquanto saboreávamos um típico e delicioso churrasco de salmão, o SALMON BAKE, em meio a breve neve, que teimosamente caia em pleno frio verão do hemisferio norte, que mais parecia um inverno.

Paulo Rebelo, o médico poeta.

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