O TELESPECTADOR*
O TELESPECTADOR
Um noite eu assistia, sentado na poltrona da sala, na TV o meu próprio enlouquecimento quando minhas palavras se tornavam aceleradas a ponto de nem eu mais entendê-las. E quando gritava do alto do morro até perder a voz, as palavras se dissolviam no vento.
A sala foi ficando vazia e a plateia sumiu e no palco eu encenava uma peça que parecia reservada apenas para mim mesmo.
Era lá que minha vida parecia ter algum sentido e ter respostas para os meus pensamentos. Era de lá que eu me alimentava de sonhos.
Alguém desligou a TV. Era a minha mulher. Ela disse então: “Ei, meu velho, acorde! Já estás roncando e falando bobagens!”
Eu lhe disse: “Pense bem: a loucura não te parece a uma velhice e a velhice alguma forma de loucura?!
Arregalou os olhos e bocejando ela disse: “Ah, tá bom! Estás vendo filmes demais. Vamos dormir. Amanhã não tens trabalho; estás aposentado!”.
Paulo Rebelo, o médico poeta 2018.