CUÍRA*
CUÍRA*
Poema de Paulo Rebelo
Eu te entendo,
Perfeitamente,
Meu amigo,
Essa tua cuíra,
Essa coisa que vem
De dentro para fora,
Coçando-te o corpo inteiro,
Vai rasgando tuas entranhas
Até sangrar
E não passa nunca;
É a cuíra!
Também, tenho isso!
Dá em crises.
Sofro desse mal
De vez em quando.
Quando penso estar curado,
Ela volta.
Então, sou solidário à tua cuíra.
A cuíra é incurável;
Ela não pode ser extinta
Só atamancada!
Pois, ela dá um bote
Quando sufocada.
Quem sofre dela
É quase que irrecuperável.
Um dia,
A cuíra quase me matou.
Ela não faz isso por maldade.
Era só saudade.
Ela é assim mesmo:
Ousada,
Abusada,
Intrusiva,
Maníaca,
Neurótica!
É inconstante,
Imprevisível.
Vive me atiçando
Até o sexto sentido,
Chacoalhando sentimentos,
Desmoronando meus fundamentos;
Subvertendo pensamentos,
Causando-me no peito apertamento.
Tenho que satisfazer
Seus caprichos e vontades,
Até que ele sossegue um pouco
Após um banho no igarapé.
De tanto lutar contra ela,
Desisti; aceitei que eu sou a própria cuíra
Ambulante.
Paulo Rebelo, o médico poeta.
*Sintoma dito pelo caboclo amazônida: agitação, agonia, inquietude, comichão no corpo.