O AGRICULTOR*
O AGRICULTOR
Por Paulo Rebelo
Acompanhei o médico cardiologista e hemodinamicista Alex Bruno Ferreira Rebelo, meu filho, num feito extraordinário: a RECANALIZAÇÃO DO FLUXO DE UMA ARTÉRIA CRONICAMENTE DOENTE, em uma paciente septuagenária que evoluía com ANGINA DO PEITO, na iminência de um novo infarto, procedimento conhecido como ANGIOPLASTIA. O lado direito do coração estava por um fio; era irrigado por um bolo de arteríolas como um novelo de lã (semelhante à cabeça da Medusa da mitologia grega), fazendo uma ponte por cima da grave obstrução e, também, alimentado retrogradamente por frágeis artérias colaterais, a partir do lado esquerdo do coração. Foi como um belissimo trabalho “artesanal”. Foi um sucesso.
Ao assistir seu desempenho com maestria, um filme passou pela minha cabeça. Fizemos um grande homem, logo pensei emocionado; deu um nó na garganta. Os olhos quase marejaram.
Como muitos sabem, Bernadete, eu e filhos, somos uma família de médicos. Às vezes, admirados ou curiosos, muitos me perguntam como foi a criação de nossos filhos-as. Bem comum eu diria. Egressos de classe média “remediada”, casados, seguimos o curso natural da vida de quem precisa criar bem os filhos. E assim o fizemos; entre altos e baixos, todavia prevaleceram o amor, carinho, respeito para com os filhos, a cumplicidade, reciprocidade, companheirismo do casal, a objetividade, determinação, confiança familiares e firmeza nossa nos momentos difíceis; dúvidas e incertezas, quando, muitas vezes, sobreveio a insegurança abalando a minha fé em mim mesmo e em DEUS, cético, eu pouco ou nada religioso, ao contrário da Bernadete, alternadamente, assumir o timão do navio. Mas, perseveramos. Superamos os obstáculos!
O principal esteio da casa, revelo de coração e sem demagogia, foi a Bernadete, pois muitas vezes, explico, ausente na criação dos filhos, eu saia muito cedo para trabalhar e eles ainda dormiam e à noite, quando voltava para casa, eles já estavam dormindo. E nos fins de semana, eu é quem cansado dormia, enquanto na algazarra brincavam. Poucas vezes, almocei em casa, poucas vezes os levei à escola e nunca fui conversar com seus professores-as. Um total desencontro. Todavia, se não ia às festas escolares ou chegava atrasado nos aniversários dos próprios filhos, quando perguntavam: “cadê o papai?” Bernadete dizia: “ele já vem, meu filho; teu pai está trabalhando”. Os filhos sempre associaram a medicina a uma coisa boa. Nunca nos queixávamos dos plantões durante quase duas décadas. Em casa, eles nos esperavam com a certeza que voltaríamos ao seu encontro.
Havia compensações: na escola, quando professores-as sabiam que éramos nós os pais de seus alunos, nossos filhos, estes ficavam orgulhosos de saber que éramos ou havíamos sido médicos seus ou de seus familiares.
Nos feriados prolongados ou nas férias familiares, eu me transformava num pai que sempre gostaria de ter sido, pois confesso, criado à moda patriarcal, fui autoritário inconscientemente.
A minha espiritualidade foi crescendo com o tempo e se consolidou com a chegada de nossas duas últimas filhas.
Uma vez, quando disseram à mãe que queriam ser médicos e meio envergonhado ou constrangido, lhes pergunte iqual a razão. Parte da resposta, já te disse acima. Pedi-lhes perdão, pois disseram que eu era muito cobrador e só dava ordens…
Assim, quando vejo meus filhos assertivos, sem vícios não afeitos à camaradagem, fuleragem, esticando caminhos, não passando à noite fora de casa em baladas e shows e sobretudo, sendo bons filhos-as, focados na profissão médica e estudos, me sinto como se fora um agricultor sentado na cadeira de balanço na soleira da casa, tomando seu café no fim de tarde, admirando com alegria no coração a plantação que vinga viçosa no horizonte de sua propriedade bem próximo do tempo de colheita.
Acredite em mim, não é orgulho nem vaidade; é uma imensa e doce sensação de paz pelo dever cumprido.
Paulo Rebelo, o agricultor de sonhos.