CARTAS PARA NINGUÉM*
CARTAS PARA “NINGUÉM”
Por Paulo Rebelo
Acostumei-me escrever
Para ninguém…
Cartas que ninguém lê.
São divagações de minha alma,
Um breve e profundo instante
Em que pareço falar solitariamente ao mundo.
Pois esse “ninguém”,
No fundo, é alguém,
E creiam-me, ele existe, sim,
Mas não apenas no meu imaginário.
Ele não é anônimo;
Falo com ele todos
Os dias, enquanto escrevo.
Ele está escondido
No recôndito de minha consciência,
No desejo incontido
E num silêncio ensurdecedor,
Quando o chamo por ele,
Sussurrando em seus ouvidos
Pedindo-lhe para ser lido,
Mas na suavidade
Como quem na intimidade
De velhos amigos,
Troca correspondências,
E este, um dia, venha a me
Compreender e dialogar comigo, realmente,
Como ninguém.
Paulo Rebelo, o médico poeta.
Inspirado em um texto de ALMIR PAES, escritor, cujo pai disse-lhe um dia:
“Acostume-se a escrever para quase ninguém”.